MEU SEGREDO
À Senhora D
I
Eu tenho dentro d'alma o meu segredo Guardado como a pérola do mar; Oculto ao mundo como a flor silvestre Lá no vale escondida a vicejar.
Eu guardo-o no meu peito... É meu tesouro, Meu único tesouro desta vida. - Sonho da fantasia - flor efêmera Uma nuvem, talvez, no céu perdida...
Mas que importa? É uma crença de minha alma - Gota de orvalho d'alva da existência Última flor, que vive aos raios mornos Do sol de amor na quadra da inocência.
Só, quando a terra dorme solitária E ergue-se à meia-noite, branca, a lua, E a brisa geme cantos de tristeza Na rama - do pinheiro - que flutua;
E quando - o orvalho pende do arvoredo Que se debruça p'ra beijar o rio, E as estrelas no céu cintilam lânguidas - Pérolas soltas de um colar sem fio;
Então vou sentar-me sobre a relva, Eu vou sonhar meus sonhos ao relento, E só conto o segredo de minh'alma Das horas mortas ao tristonho vento.
II
Eu sei como este mundo ri d'escárnio, Deste aéreo sonhar da fantasia. Eu sei... P'ra cada crença de noss'alma, Ele tem uma frase de ironia... Ah! deixai-me guardar o meu segrêdo: Deste riso cruel eu tenho mêdo...
Meu segredo? É o canto de poesia Que suspirou saudoso o gondoleiro, Que vai morrer gemente sobre as praias. - Da despedida pranto derradeiro - Mais aéreo que as vozes da sereia - Alta noite - sentada sobre a areia.
Meu segredo? É o soluço d'alma triste Que conta sua dor à brisa errante. É o pulsar tresloucado de meu peito A repetir um nome delirante. Tímido anelar de edêneo gozo, Castelo que eu criei vertiginoso.
Criei-o numa noite não dormida, Após vê-la entre todas - a rainha; Criei-o nestas horas de delírio Em que sentira em fogo a fronte minha E o sangue galopava-me nas veias E o cérebro doía-me de idéias...
E quem na vida não amara um dia? E nunca despertara ao som de um beijo? Quem nunca na vigília empalecera, Ao seguir co'o pensar louco desejo? Quem não sonhara ao colo voluptuoso Da sultana louçã morrer de gozo?
Uma noite tentei fechar as pálpebras, Debalde revolvi-me sobre o leito... A alma adejava em fantasias d'ouro, Arfava ardente o coração no peito. A imagem que eu seguia? É meu segredo! Seu nome? Não o digo... tenho medo.
Ai! Dói muito calar dentro em nossa alma Este anelar fremente de desejos!... Ai! Dói muito calar o róseo sonho Que sonhamos: dormir entre mil beijos Num seio que de amor todo estremece, Quando o olhar de volúpias esmorece...
Dói muito... mas dói mais uma ironia, Quando adeja o pensar no firmamento, Dói muito... mas dói mais um desengano, Quando se vive só de um sentimento, Quando o peito cifrou sua esperança Em beijar da mulher a negra trança.
Que ventura! Aos teus lânguidos olhares, Beber - louco de amor - seiba de vida... Sorver perfume em teus cabelos negros, Sentir a alma de si mesmo esquecida... E de gozo de amar louco, sedento, Viver a eternidade num momento!
Que ventura! Sorver co'os lábios trêmulos Em teus lábios - de amor - o nome santo... Que ventura! Fitar-te os negros olhos Desmaiados de amor e de quebranto... E reclinada a fronte no teu seio, Sentir lânguido arfar em doce enleio...
Mas que louco sonhar... Ó minha amante, Que nunca nos meus braços desmaiaste, Que nem sequer de amor uma palavra Dos meus lábios em fogo inda escutaste, Perdoa este sonhar vertiginoso. Foi um sonho do peito deliroso.
E, se um dia, entre as cismas de tua alma, Minha imagem passar um só momento, Fita meus olhos, vê como êles falam Do amor que eu te votei no esquecimento: Recorda-te do môço que em segredo Fez-te a fada gentil de um sonho ledo...
Recorda-te do pobre que em silêncio De ti fez o seu anjo de poesia. Que tresnoitou cismado em tuas graças, Que por ti, só por ti, é que vivia. Que tremia ao roçar de teu vestido, E que por ti de amor era perdido...
Sagra ao menos uma hora em tua vida Ao pobre que sagrou-te a vida inteira, Que em teus olhos, febril e delirante, Bebeu de amor a inspiração primeira, Mas que de um desengano teve medo, E guardou dentro d'alma o seu segredo!
Recife, junho de 1863.
|